Aquele lugar era aterrorizante. Ele nunca pensou que merecesse estar ali e por um momento teve a sensação de que seria pela última vez. Naquela tarde, em meio a todo o barulho e gritos de desespero ele foi posto pelos companheiros em um lugar aparentemente seguro e pensou em desistir.
Era difícil lembrar-se do choro da esposa com o filho no colo implorando para que ficasse, mas ele não podia. Afinal não entendia, já que para muitos a guerra não era uma opção. Logo ele que sempre frequentou a igreja e pagou suas contas com o suor de seu trabalho. Ele sabia que nunca mais voltaria para casa. Ele sabia que estava entregue a mesma sorte que qualquer homem que estava ali e que o dia seguinte simplesmente poderia não mais existir.
Ele tirou o capacete e olhou para a foto da família que guardava, sem saber se Deus o perdoaria pelas pessoas que fora obrigado a matar. Ele estava naquela terra onde ninguém poderia salva-lo. Retirou do bolso um pedaço sujo de papel que estava preso a uma caneta e escreveu a última carta que enviaria a esposa. Pediu para que ela o perdoasse por não poder fazer nada que o impedisse de estar ali, contou sobre o fardo que sua alma carregaria para sempre por todos que matou para não morrer. Disse que talvez não estivesse mais vivo quando ela recebesse carta, e se um dia a receberia. Pediu para que tomasse conta do filho e que sempre estaria ao lado deles. Ele sabia que os dois conseguiriam se virar sozinhos, mas já não suportava mais viver aquela tragédia com cheiro de sangue e gritos de terror. Não queria mais ver inocentes pedindo pelo amor de Deus para que poupasse suas vidas. Era triste ter que carregar nos braços seus companheiros que ainda lutavam para sobreviver, muitas vezes mutilados. Apesar de toda a angústia que o consumia, ele acreditava que por menor que fosse, ainda existia esperança dentro de cada homem que ali lutava por um ideal que não os pertencia.
Pediu perdão a Deus pelo último ato que tomaria na vida, mas sabia que naquele momento o maior pecado que poderia cometer em toda a sua vida era o de continuar vivo e acabar voltando para sua família sem poder sustentá-los, afinal, ontem seus companheiros o colocaram em uma cama de campanha quase morto e sem as pernas. Mesmo que muitos considerassem um milagre a sua sobrevivência, ele não conseguia aceitar sua situação.
Chorando por não querer mais viver ele se jogou da cadeira e mesmo perdendo a força nos braços rastejou até a sua arma que se encontrava no chão. Ele implorou para que ela não falhasse naquele momento.
Ele respirou pela última vez.
Sua carta nunca chegou ao destino.
Por Carlos Rodrigo Bouças